O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória. Corte Especial, julgado em 02/12/2020, DJe 07/12/2020.
QO no REsp 1.820.963-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/10/2020, DJe 28/10/2020. (Tema 677).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
A Corte Especial acolheu a questão de ordem para instaurar procedimento de revisão do tema 677/STJ.
Delimitação do tema submetido à revisão: "revisão da tese relativa ao Tema 677/STJ: definir se, na execução, o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor".
REsp 1.819.826-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 28/10/2020, DJe 03/11/2020 (Tema 1035)
DIREITO CIVIL, DIREITO MARÍTIMO
Ação de cobrança por sobre-estadia de contêineres. Transporte marítimo. Unimodal. Despesas de sobre-estadia. Previsão contratual. Prazo prescricional. Art. 206, §5º, inciso I, do Código Civil. Tema 1035.
A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002.
Cinge-se a controvérsia a definir qual o prazo prescricional para a pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) em contrato de transporte marítimo após a vigência do Código de Civil de 2002.
O advento do Código Civil de 2002 é marco temporal de significativa importância para a questão porque até então prevalecia na jurisprudência pátria a orientação (firmada por esta Corte Superior a partir do julgamento do REsp no 176.903/PR - cujo acórdão foi publicado no DJ de 9/4/2001) de que a devolução tardia da unidade de carga (contêiner) se equiparava à sobre-estadia do navio, aplicando-se, assim, o mesmo prazo prescricional de 1 (um) ano previsto no art. 449, 3, do Código Comercial.
Faz-se necessário aqui um breve adendo. Em 20 de fevereiro de 1998 entrou em vigor a Lei n. 9.611/1998 que, dentre outras providências, dispôs sobre o que denominou "Transporte Multimodal de Cargas", definido como "aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal" (art. 2º).
A distinção entre o que se denominou ser transporte multimodal e o transporte dito unimodal, pelo menos para fins de definição do prazo prescricional aplicável à eventual pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres, até a entrada em vigor do novo Código Civil não se fazia relevante, já que, ainda que se admitisse a existência de demurrage no transporte multimodal, o prazo previsto para ambos os casos necessariamente seria ânuo. No caso do transporte unimodal, por força do estabelecido pelo Código Comercial, e no do transporte multimodal em virtude da específica regra do art. 22 da Lei n. 9.611/1998.
Ocorre que o referido art. 449 do Código Comercial foi revogado expressamente pelo Código Civil de 2002 (art. 2.045), o que ensejou a necessidade de reexame da legislação vigente para o fim de definição do prazo prescricional a ser aplicado à pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da tardia devolução da unidade de carga (contêiner) em contrato transporte marítimo (unimodal).
Quanto ao eventual ajuizamento de ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, não há nenhuma dificuldade. O prazo prescricional para pretensões de tal natureza permanece sendo de 1 (um) ano, haja vista a existência de expressa previsão legal nesse sentido (art. 22 da Lei no 9.611/1998).
A dúvida surge no tocante à sobre-estadia oriunda de contrato do chamado transporte unimodal, ou seja, aquele realizado a partir da utilização de uma única modalidade de transporte. É justamente essa a hipótese dos autos, sendo incontroverso que a presente ação tem como pano de fundo a execução de contrato de transporte meramente marítimo (unimodal, portanto). Cumpre anotar, de pronto, que a questão ora controvertida não encontra solução no art. 8º do Decreto-Lei n. 116/1967.
De igual maneira, a aplicação analógica do art. 22 da Lei n. 9.611/1998 na hipótese vertente, ainda que se afirme patente a similitude de algumas das atividades desempenhadas em transporte unimodal e multimodal, afigura-se absolutamente incabível, pois não se coaduna com os princípios gerais que regem o Direito Civil brasileiro, além de constituir verdadeiro atentado à segurança jurídica, cuja preservação se espera desta Corte Superior.
Vale destacar que, no caso do transporte unimodal (marítimo), a responsabilidade do transportador é restrita ao percurso marítimo, que se inicia após o recebimento da carga a bordo do navio no porto de origem, cessando imediatamente após o içamento das cargas e o consequente desembarque no porto de destino. Ou seja, os demais serviços e atos correlatos, tais como desembaraço aduaneiro, transporte, desunitização dos contêineres etc. são de exclusiva responsabilidade do afretador e, por tal motivo, a demora na conclusão desse procedimento pode resultar em demasiado atraso na devolução dos contêineres utilizados no transporte da carga ao transportador.
Em outras palavras, em nenhum momento a unidade de carga deixa de estar sob a posse e o controle do operador de transporte multimodal, sendo descabido falar, em caso tal, na existência de responsabilidade do contratante por suposta sobre-estadia de contêineres.
Além da dessemelhança das situações em apreço, certo é que, em se tratando de regras jurídicas acerca de prazos prescricionais, a interpretação analógica ou extensiva nem sequer é admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A própria inteligência do caput do art. 205 do Código Civil evidencia a impossibilidade de interpretação analógica ou extensiva de norma sobre prescrição, visto que estabelece o prazo prescricional decenal como regra geral a ser aplicada nas hipóteses em que prazo inferior não seja expressamente fixado por lei.
Desse modo, diante da certeza de que o art. 22 da Lei n. 9.611/1998 não alcança as ações de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal e de que inexiste lei especial vigente que defina prazo prescricional específico para a referida pretensão, a matéria deve ser regida pelas disposições insertas no Código Civil.
Assim, em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o prazo prescricional. Caso contrário, ou seja, nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica-se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos.
MS 21.205-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
DIREITO ADMINISTRATIVO
Processo administrativo disciplinar. Depoimento de testemunha depois erguida à condição de investigado. Nulidade por inobservância do direito à não autoincriminação. Inexistência.
Não implica nulidade do processo administrativo, decorrente da inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação.
Cinge-se a controvérsia em saber se o fato de o impetrante ter prestado, inicialmente, depoimento na qualidade de testemunha (dando conta de seu ilícito funcional), mas vindo, depois, a ser sancionado pela autoridade impetrada, erige-se em ocorrência capaz de gerar a nulidade do respectivo PAD, por alegada violação à cláusula vedatória da autoincriminação (nemo tenetur se detegere).
Consoante anotou o Ministro Herman Benjamin, em hipótese assemelhada, no âmbito do MS 20.693/DF: "a questão não é saber se deveria ou não ter sido assegurado direito a não incriminação àquele que já se sabe implicado nos fatos, quando da tomada do depoimentos", mas sim "se é caso de anulação de processo administrativo quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação."
Quando do julgamento do mencionado MS 20.693/DF, a Primeira Seção concluiu ser "inconcebível que aquele que depõe na qualidade de testemunha, sem esgrimir previamente qualquer elemento de irresignação, e nessa qualidade narra sua participação no acontecimento, possa, depois de apuradas as lindes de seu atuar, querer dessa inércia se valer para afastar sua responsabilidade."
Assim, entendendo o impetrante que prestar depoimento agora criticado poder-lhe-ia ser prejudicial, era seu dever invocar, a tempo e modo, o direito de não autoincriminação, a fim de se eximir de depor na condição de testemunha. Razão pela qual não lhe é lícito invocar, tardiamente, o direito ao silêncio, vez que, por sua própria vontade, apontou, durante sua oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração.
EREsp 1.493.162-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 21/10/2020
DIREITO TRIBUTÁRIO
ITBI. Negócio jurídico de compra e venda de imóvel. Declaração judicial de nulidade. Insubsistência do fato gerador do tributo. Restituição dos valores recolhidos a título de imposto.
A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI.
De acordo com os arts. 156, II da CF, e 35, I, II, e III do CTN, o fato gerador do ITBI ocorre, no seu aspecto material e temporal, com a efetiva transmissão, a qualquer título, da propriedade imobiliária, o que se perfectibiliza com a consumação do negócio jurídico hábil a transmitir a titularidade do bem, mediante o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis.
Todavia, no caso verifica-se que o negócio jurídico que ensejou a transferência de propriedade do imóvel e, por conseguinte, a tributação pelo ITBI, não se concretizou em caráter definitivo devido à superveniente declaração de nulidade por força de sentença judicial transitada em julgado.
Logo, não tendo havido a transmissão da propriedade, já que nulo o negócio jurídico de compra e venda de imóvel entabulado pelas partes, ausente fato gerador do imposto em apreço, sendo devida a restituição do correspondente valor recolhido pelo contribuinte a tal título.
REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 14/10/2020, DJe 29/10/2020
DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO
Cédula de crédito bancário. Capitalização diária de juros remuneratórios. Taxa diária não informada. Violação ao dever de informação. Art. 46 do CDC.
Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada.
O tema já foi enfrentado anteriormente pela Terceira Turma, sob a ótica do dever de informação. No REsp 1.568.290/RS. Naquela sessão de julgamento, chegou-se à compreensão de que o consumidor tem direito à informação sobre a taxa diária de juros, no caso de haver cláusula de capitalização diária, uma vez que essa cláusula tem potencial para gerar incremento da dívida.
No âmbito da egrégia Quarta Turma, porém, tem-se entendido pela validade da cláusula de capitalização diária, não se fazendo distinção quanto à informação da taxa diária de juros. Nesse sentido, no julgamento do AgInt no REsp 1.775.108/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, DJe 22/05/2019, aquele colegiado se manifestou nos seguintes termos: "a legalidade da capitalização de juros em periodicidade inferior à anual abrange a possibilidade da capitalização diária de juros".
A divergência de entendimentos acima apontada levou a Terceira Turma a afetar o presente recurso a Segunda Seção.
A capitalização diária de juros remuneratórios, como é intuitivo, pode constituir um fator de incremento da dívida, medida em que os juros são incorporados ao capital dia a dia, ficando sujeitos a nova incidência de juros nos dias seguintes. Tratando-se de financiamentos de longo prazo e com taxas de juros elevadas, o incremento causado pela capitalização diária se mostra significativo, conforme demonstrado no já citado REsp 1.568.290/RS.
Apesar dessa constatação intuitiva, é matematicamente possível calcular uma taxa de juros diária que não represente incremento da dívida em relação à taxa efetiva mensal, assim como também é possível calcular uma taxa mensal que produza resultado equivalente à taxa efetiva anual, não gerando, portanto, incremento da dívida para além dessas taxas efetivas.
Com base nessa equivalência entre taxas, este colegiado chegou à tese do duodécuplo, segundo a qual a previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para informar o consumidor sobre a existência de capitalização de juros. Observe-se que a própria informação das taxas anual e mensal já permitem ao consumidor aferir a equivalência entre as taxas.
Esse raciocínio poderia ser transportado para a capitalização diária, pois a equivalência matemática entre as taxas pode ser obtida em qualquer periodicidade de capitalização.
Nesse passo, aplicando-se o mesmo raciocínio da tese do duodécuplo à hipótese de capitalização diária, o fator de multiplicação seria "30" (pois o mês tem trinta dias), em vez de "12" (que é o número de meses do ano), e a conclusão seria de que a previsão de taxa efetiva mensal superior 30 vezes a taxa diária denotaria a existência capitalização diária. É dizer que, havendo previsão da taxa diária, o consumidor poderia aferir a existência de capitalização diária mediante cotejo entre a taxa mensal pactuada e a taxa resultante a multiplicação da taxa diária por 30, pois se a taxa mensal for superior ao resultado dessa multiplicação, é evidência de que os juros diários foram capitalizados.
No caso dos autos, esse cotejo não é possível, uma vez que o contrato somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios, surgindo daí a controvérsia sobre o dever de informação.
Assim, a informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual.
A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que, configura descumprimento do dever de informação, a teor da norma do art. 46 do CDC
REsp 1.852.629-SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020
DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Lei de acesso à informação. Dados sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais. Caráter público incontroverso. Imprensa. Direito de acesso às informações. Vedação judicial de uso da informação em reportagem noticiosa. Descabimento. Censura prévia. Impossibilidade.
Veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais.
Trata-se a discussão sobre pedido de acesso à informação mantida por órgãos públicos por veículo de imprensa, para produção de reportagem noticiosa. Tal reportagem pretende aceder a informações especificadas quanto a óbitos associados a boletins de ocorrência policial.
Inicialmente, destaque-se que descabe qualquer tratamento especial à imprensa em matéria de responsabilização civil ou penal, em particular para agravar sua situação diante da generalidade das pessoas físicas ou jurídicas. É o que se assentou no julgamento da Lei de Imprensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido é que não se pode conceber lei, ou norma, que se volte especificamente à tutela da imprensa, para coibir sua atuação. Se há um direito irrestrito de acesso pela sociedade à informação mantida pela administração, porquanto inequivocamente pública, não se pode impedir a imprensa, apenas por ser imprensa, de a ela aceder.
No entanto, o acórdão recorrido vai além, e efetivamente faz controle prévio genérico da veiculação noticiosa. Não se está diante sequer de um texto pronto e acabado, hipótese em que, de modo já absolutamente excepcional, poder-se-ia cogitar de apreciação judicial dos danos decorrentes de sua circulação, a ponto de vedá-la. Na hipótese, a censura judicial prévia inviabiliza até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública.
É preciso reforçar a distinção entre duas questões tratadas pelo acórdão do Tribunal de origem como uma única. De um lado, cuida-se da atividade jornalística de veiculação noticiosa. Nesse ponto, é já inconcebível dar aspecto de juridicidade a qualquer forma de controle prévio da informação.
Além disso, trata-se de acesso à informação pública, não apenas de atuação jornalística. A qualidade da última pode até depender da primeira, mas nada influencia no direito de aceder a dados públicos o uso que deles se fará. Não há razão alguma em sujeitar a concessão da segurança ao risco decorrente da divulgação da informação - que, reitere-se, é pública e já disponível na internet. Não há nem mesmo obrigação ou suposição de que a informação - pública - venha a ser publicada pela imprensa.
A informação pública é subsídio da informação jornalística, sem com ela se confundir em qualquer nível. Os dados públicos podem ser usados pela imprensa de uma infinidade de formas, como base de novas investigações, cruzamentos, pesquisas, entrevistas, etc., nenhuma delas correspondendo, direta e inequivocamente, à sua veiculação. Não se pode vedar o exercício de um direito - acessar a informação pública - pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito - o de livre comunicar. Configura-se verdadeiro bis in idem censório, ambos de inviável acolhimento diante do ordenamento.
REsp 1.683.245-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 06/10/2020, DJe 29/10/2020
DIREITO CIVIL
Contrato de concessão de venda de automóveis. Infrações contratuais graves por parte da concessionária. Condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari (Lei n. 6.729/1979). Descabimento.
É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária.
Versa a controvérsia acerca dos efeitos da resolução de um contrato de concessão de venda de automóveis na hipótese em que as infrações praticadas pela concessionária foram reputadas graves o suficiente para ensejar a resolução, mas a montadora concedente não observou o regime de penalidades gradativas preconizado pela Lei n. 6.729/1979 (Lei Ferrari).
Vale ressaltar que, embora haja o condicionamento da resolução do contrato por infração contratual à prévia aplicação de penalidades gradativas (art. 22, § 1º, da Lei n. 6.729/1979), é possivel a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar as perdas e danos experimentadas pela parte inocente (REsp 966.163/RS).
Ademais, na hipótese de inexistência de convenção da marca, cabe às montadoras, na condição de concedente, inserir em seus contratos de concessão o regime de penalidades gradativas para atender ao comando legal (REsp 1.338.292/SP), não havendo falar em ineficácia da norma legal, a qual possui aplicabilidade imediata.
Entretanto, na hipótese de ausência de pactuação de penalidades gradativas, há, ainda, a possibilidade de o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, de modo a aferir a culpa pela resolução do contrato (REsp 1.338.292/SP), ou seja, há o suprimento judicial de lacuna normativa.
Outrossim, é descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária, pois a inobservância, pela montadora, do regime de penalidades gradativas não afasta a culpa da concessionária pela resolução do contrato.
REsp 1.774.434-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 01/09/2020, DJe 12/11/2020
DIREITO CIVIL
Sociedades cooperativas. Prejuízos que superam o fundo de reserva. Responsabilidade dos ex-associados. Rateio na razão direta dos serviços usufruídos. Limitação somente até dois anos do desligamento (arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil/2002). Inaplicabilidade.
A responsabilidade do ex-cooperado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, não se limita ao prazo disposto para as sociedades simples previsto nos arts. 1.003, parágrafo único, e 1.032, ambos do CC/2002, de até dois anos de seu desligamento da cooperativa.
Quanto à constituição das cooperativas, o art. 3º da Lei n. 5.764/1971 dispõe que "celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro".
Sob a perspectiva da legislação civil, resta patente que são sociedades, e não associações, pois estas não admitem a existência de finalidade econômica, nos termos do art. 53do CC/2002.
Segundo o art. 4º da Lei n. 5.764/1971, "as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados".
São diversas as peculiaridades normativas na disciplina das cooperativas, de maneira que a aplicação subsidiária da legislação civil e comercial deve guardar observância estrita de modo a não confundir seu tratamento com as demais sociedades em geral.
Apenas em hipótese de omissão legal no que tange à disciplina das sociedades cooperativas, aplicam-se as disposições referentes à sociedade simples (art. 1.096 do CC/2002).
Nessa linha, deve prevalecer o disposto na lei especial em detrimento das previsões das leis gerais, como o Código Comercial e o Código Civil, na disciplina normativa da responsabilidade dos associados acerca dos débitos contraídos pela sociedade cooperativa.
Assim, os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos (art. 89 da Lei n. 5.764/1971).
Dessa forma, inadmissível limitar a responsabilidade do ex-associado, pelo rateio dos prejuízos acumulados, somente até dois anos de seu desligamento da cooperativa, ante a prevalência do disposto no Estatuto Social e a correspondente decisão da Assembleia Geral.
AgInt no REsp 1.874.078-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/10/2020, DJe 29/10/2020
DIREITO CIVIL
Custeio de medicamento importado, devidamente registrado na ANVISA. Limitação do tratamento. Indevida negativa de cobertura. Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Caráter exemplificativo. Ratificação da jurisprudência da Terceira Turma.
O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS é meramente exemplificativo.
De acordo com o posicionamento da Segunda Seção do STJ, é legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicação importada não nacionalizada, ou seja, sem registro vigente na Anvisa (art. 10, I e V, da Lei n. 9.656/1998; Recomendação n. 31/2010 do CNJ e dos Enunciados n. 6 e 26 da I Jornada de Direito da Saúde). Após o ato registral, todavia, a operadora de plano de saúde não pode recusar o tratamento com o fármaco indicado pelo médico assistente.
Diante do registro em território nacional, com o que se dá a nacionalização do fármaco, ressai estabelecida, assim, a obrigação da operadora em fornecer o medicamento, mostrando-se "abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde o custeio dos meios necessários ao melhor desempenho do tratamento" (AREsp n. 354.006/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 12/08/2013).
Com efeito, a jurisprudência da Terceira Turma já sedimentou entendimento no sentido de que "não é cabível a negativa de tratamento indicado pelo profissional de saúde como necessário à saúde e à cura de doença efetivamente coberta pelo contrato de plano de saúde". Ademais, o "fato de eventual tratamento médico não constar do rol de procedimentos da ANS não significa, per se, que a sua prestação não possa ser exigida pelo segurado, pois, tratando-se de rol exemplificativo, a negativa de cobertura do procedimento médico cuja doença é prevista no contrato firmado implicaria a adoção de interpretação menos favorável ao consumidor" (AgRg no AREsp n. 708.082/DF, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/02/2016).
Cabe ressaltar o advento de precedente da Quarta Turma no sentido de que seria legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS (REsp n. 1.733.013/PR). Entretanto, esse precedente não vem sendo acompanhado pela Terceira Turma, que ratifica o seu entendimento quanto ao caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de preservar a uniformidade da interpretação das leis federais em todo o território brasileiro. Endereço: SAFS - Quadra 06 - Lote 01 - Trecho III. CEP 70095-900 | Brasília/DF. Telefone: (61) 3319-8000 | Fax: (61) 3319-8700. Home page: www.stj.jus.br
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 682 do STJ - 2020 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2020, 16:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/56270/informativo-682-do-stj-2020. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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